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Professores não devem temer explorar novos territórios
- 10/11/2014
- Category: Notícias
Por Ivani Cardoso
Na CONTEC Belo Horizonte, marcada para o dia 18 de novembro, durante a Bienal do Livro de Minas Gerais, o professor, designer, arquiteto e consultor em tecnologia Pablo Arrieta, da Colômbia, será um dos palestrantes e vai falar sobre os novos territórios digitais que podem ser explorados pelos professores neste momento de muitas mudanças na sala de aula. Seu conselho para os educadores é que eles devem perder o medo de explorar novos territórios no trabalho profissional na escola e na vida pessoal. “Devemos atuar com nossos alunos com a tranquilidade de quem utiliza permanentemente esses dispositivos no cotidiano. Espero que minha participação na CONTEC motive-os para continuar curiosos perante as transformações que estão ocorrendo”. Para ele, educar é abrir as alas das novas gerações sabendo que são elas que vão manter o nosso voo. E completa analisando o futuro: “Devemos continuar como no passado, ensinando da melhor maneira hoje quem vai prosseguir o caminho amanhã, em um mundo que não será o mesmo que conhecemos como professores. O importante é não perdermos a capacidade de nos surpreender e tirar proveito do que aparece, assim como a maneira como contextualizamos nosso trabalho determinará o sucesso de qualquer esforço. E podemos trabalhar em grupo e muito melhor. Pablo Arrieta atua em várias frentes. Arquiteto por formação, pela leitura e por desenhar desde criança, designer por vocação, fotógrafo e amante de música por obsessão, atualmente ele também trabalha como professor e consultor da Apple para questões de Educação e Tecnologia. Desde o início de 1995 Pablo está envolvido em design digital e desenvolvimento na web. Desde 2008 tem participado ativamente na evolução do mundo editorial de fala hispânica. Pablo defende mudanças na lei de direitos autorais e quando o assunto é livro digital não titubeia: Não formamos leitores para o meio impresso ou digital, mas sim seres humanos capazes de ler e entender o conteúdo deles, decidindo como querem fazê-lo de acordo com as inúmeras condições externas”, afirma.
O que é e como funciona o Coletivo Red Para Todos?
É uma iniciativa que surgiu como resposta aos planos do governo colombiano de controlar a Internet. Seguindo a linha de SOPA, PIPA, da Lei Sinde e outras leis reguladoras do uso da Internet como parte de acordos firmados com os Estados Unidos, o governo colombiano implantou uma série de reformas buscando limitar a pirataria de material protegido por direitos do autor, que chegava a por em risco inclusive a liberdade de expressão e a capacidade de inovação em nosso país. Red Para Todos é formada por membros da sociedade interessados em preservar os benefícios que a Internet havia trazido para as nossas vidas. A partir de diferentes setores (desenvolvedores, indústria, escolas, estudantes) e com interesses diversos (software livre, plataformas de comércio, seguridade, direitos humanos etc), seus membros propõem ideias ao governo e as expressam nos fóruns em que participamos. No início foi o tema dos direitos de autor que nos juntou, mas rapidamente as conversações evoluíram para a questão dos direitos humanos e sua relação com o meio digital, com a privacidade e a segurança. É um grupo de organização horizontal onde o importante é entender nossa vida digital como um novo campo para o desenvolvimento da cidadania, além de contar com as possibilidade de participar e permitir as diferenças, pois vemos nelas o motor do progresso. Com muito êxito, o coletivo tem sido protagonista em deter algumas das propostas de lei, ampliando a discussão e permitindo que a sociedade se interesse por esses temas que são novos para muitos colombianos.
Em seu país as bibliotecas e a leitura são muito valorizadas. Como estão os índices de alfabetização e interesse pela leitura?
Foram realizados avanços e podemos destacar o trabalho e o valor das bibliotecas em nossa sociedade, mas ainda há muito por fazer. Além dos números que temos, tão úteis para os políticos e seus informativos de gestão, a Colômbia continua sendo um país onde se lê pouco e se compreende menos ainda. As pesquisas mais recentes sobre compreensão de leitura são alarmantes pois mostram que é difícil para os colombianos entender claramente os textos. De que nos serve ler muito se não conseguimos aproveitar este ato? Por isso digo que ainda há muito por fazer.
Ainda é importante incentivar a leitura dos livros impressos ou os professores devem concentrar esse trabalho no digital?
A discussão entre leitura digital e impressa não deveria ocorrer. É importante que os professores abordem o tema da leitura, sua importância e difusão, reconhecendo os benefícios e os riscos de cada superfície onde ela ocorra. Não formamos leitores para um desses meios e sim seres humanos capazes de ler e entender o conteúdo deles, decidindo como querem fazê-lo de acordo com as inúmeras condições externas. É muito diferente encarar o tema da leitura em um país desenvolvido onde há livrarias e bibliotecas em todas as cidades e fazê-lo em nossos países emergentes onde há dificuldades para que os livros cheguem em todas os municípios. Para uma criança que mora fora de uma cidade, mais importante do que decidir sobre papel ou tela é a possibilidade de fazê-lo. A atitude do professor para a leitura é mais importante que o formato e onde se tem a oportunidade para ler.
Quais são os limites, em sua opinião, para a utilização da Internet e das redes sociais na escola?
Há temas de privacidade e de idade que são importantes no momento em que abordam as redes sociais na infância e na juventude. Enquanto os alunos são eficientes com os dispositivos, muito possivelmente não têm conhecimento dos riscos a que estão expostos, não têm essa clareza. Assim, os professores podem ser guias nessa área, tentando gerar atividades em que a socialização de temas e conteúdos seja interessante. Ao utilizar as redes em sala de aula, deveriam levar a aprendizagem a outros momentos fora da escola e de maneira mais atraente do que as tarefas tradicionais. Se há essa possibilidade de estabelecer a comunicação com os alunos dentro de alguma rede, é possível incentivar atividades extracurriculares que sejam úteis e inspiradoras. Da mesma forma dentro de aula é possível debater sobre o uso das redes na vida dos alunos. Assim da mesma forma em que os meios de comunicação foram introduzidos em nossas classes, agora é hora de abraçar a mudança e conversar com as crianças sobre essas questões que ocupam tanto espaço em seus dias.
Quando começou a ler? Como se interessou pela leitura? Alguém incentivou?
Em casa meus pais nos deram um exemplo de leitura, mas desde que comecei a ler (aos 4 anos de idade), minha mãe se encarregou de converter essa atividade em algo prazeroso. Semanalmente, se nós tivéssemos nos comportado bem, ela nos dava um livro ou história em quadrinhos que mantinha trancados em uma gaveta. Não eram livros novos mas faziam parte de sua coleção quando era pequena e estavam carregados de surpresas. Algumas vezes aparecia uma HQ de Archie, outras um conto de fadas e outras um do Super-homem. Conforme fomos crescendo os prêmios deixaram de ser tão constantes (pois os livros iam terminando) e as HQs começaram a ter um novo desafio pois estavam em Inglês. Assim, acompanhado de um dicionário, passei muitas horas lendo Mad Magazine, Sad Sack e tantos outros, com tanta vontade que nunca precisei aprender Inglês. Com muita dor chegou o dia em que o armário estava vazio, porém nossa biblioteca estava repleta de volumes preciosos (conservo ainda). Acima de tudo, nossa vida na leitura estava assegurada.
Estamos vivendo em um mundo digital em que muitas vezes os alunos sabem mais do que os professores. Como esses professores devem proceder para continuar à frente do processo educacional?
Eu gosto de brincar e dizer que a resposta a esta pergunta é encontrada assistindo ao último filme de James Bond. Em Skyfall o agente secreto enfrenta os mesmos desafios experimentados por muitos professores: pela primeira vez quem dá as armas ao misterioso Q é um garoto imberbe. Logo no início Bond se dá conta de que um necessita do outro. Enquanto o garoto de óculos é um gênio em dispositivos, o agente é único que sabe usá-los na prática. Sabemos que a melhor maneira de lidar com a mudança é reconhecer as limitações de cada um e trabalhar em conjunto para alcançar os melhores resultados possíveis. As crianças precisam de um guia especializado, o professor, mas eles ficam felizes se puderem dar uma mão para acelerar este passeio. Temos de aprender a fazê-lo e torná-lo divertido.
Quais são os maiores desafios na utilização das inovações tecnológicas na sala de aula?
Um dos maiores desafios é acreditar que basta implantar a tecnologia. Em muitas escolas se percebe como obrigam os professores a usar as ferramentas digitais que se tornam requisitos complicados, que nada agregam ao processo educacional. Sempre que possível, o professor deve ficar livre para decidir quando usá-las sem que sejam um limite para as suas competências pedagógicas. Mais do que ferramentas, devemos fazer das inovações tecnológicas instrumentos que estejam disponíveis e ampliem nossas capacidades. Não é porque um assunto é apresentado em uma tela que se tornará mais atraente para os alunos, da mesma maneira que tocar uma música em um sintetizador de última geração não é garantia de conseguir cativar os jovens. Nós devemos ser capazes de utilizar a tecnologia como uma ponte para o conhecimento, não como o fim do percurso.
O sr. acredita que a criação de comunidades de aprendizagem para a formação dos professores é uma boa ideia?
É uma excelente ideia e quanto mais trabalharmos dessa forma interdisciplinar será melhor. O grande desafio é aprender a usar a tecnologia de forma eficaz, e um erro que pode ser cometido é nos concentrarmos em exemplos que ocorrem em nossa área de interesse e nada mais. Isto é, se eu ensino idiomas, só vou me interessar por idiomas ou temas semelhantes. Este momento, já que tudo é digitalizado, é bom para se aprender com outros professores e suas experiências, independentemente da sua área de trabalho. Então, pessoalmente, cada professor pode perceber o que poderá funcionar em sua sala de aula. Na minha vida pessoal como professor universitário venho tentando aprender todo o tempo com outras pessoas, sejam ou não professores, e levar seus exemplos para minha sala de aula. E muitas vezes eu consigo obter bons resultados também. Outro ponto interessante é que esses conhecimentos podem ser internacionais. Na newsletter da CONTEC muitas vezes descubro temas da Europa, EUA e América do Sul que me interessam e me fazem pensar. Da mesma forma, uma rede de professores atraente deve incentivar essa conversa global, porque, apesar de cada país e região ter suas peculiaridades, não existe um modelo único e há um mundo de professores que experimentam e conseguem resultados.
Quais são as principais ferramentas tecnológicas que estão contribuindo para a melhoria da educação?
Colocaria a Internet em primeiro lugar pois é a principal conexão de todos os nossos interesses e esforços. Depois mencionaria a capacidade, cada vez maior, de processamento das máquinas com as quais contamos. Há décadas, quando estava começando a atuar como desenvolvedor digital, só alguns profissionais tinham a possibilidade de contar com máquinas suficientemente poderosas para consumir e criar conteúdo, algo que hoje em dia é uma característica básica. Finalmente, é preciso reconhecer o aparecimento de um mercado cada vez mais maduro e bem equipado. Mesmo que a oferta de materiais que podem ser utilizados por educadores em suas atividades pedagógicas não esteja no nível que se espera e ainda menos em nossos países, é claro que já se conta com grande quantidade de materiais que podem ser utilizados nas atividades pedagógicas. A indústria deve se desenvolver mais ainda, mas é algo que vai ocorrendo diariamente.
Como motivar os professores para a leitura, uma vez que eles são importantes no desenvolvimento do hábito da leitura entre crianças e jovens?
É fundamental que incentivemos a leitura mas não apenas nos textos. Os jovens de hoje estão expostos a toneladas de mensagens que chegam em múltiplas linguagens: impressa, sons, vídeo e outras. Sabemos que o texto e fundamental e seguirá sendo, mas para poder garantir sua correta utilização devemos reforçar o papel de outras formas narrativas e incluí-las nas atividades como HQs e fotografia ou facilitar para que os alunos desenvolvam interesse pela leitura em outros idiomas. No mundo atual, a possibilidade de baixar músicas gratuitamente faz com que muitos garotos compreendam conteúdos em Inglês. Atividades como videogames e a capacidade de fazer programações contribuem com esse interesse. Incentivar essas possibilidades dará ferramentas de compreensão muito interessantes para as novas gerações capazes de conversar hoje com quem queiram graças às redes sociais.
O professor de hoje está preparado para essa geração de nativos digitais?
A estas alturas, deveria estar, é uma questão prioritária em nossa realidade contemporânea. Negar essa condição seria um erro tanto para os professores quanto para os alunos. Devo reconhecer que não gosto do conceito de “nativos digitais” pois me recorda outros tempos e estilos de colonização. No entanto, se querem usar essa analogia é bom lembrar que ao longo da história os nativos têm sido vistos de maneira muito positiva com a chegada de imigrantes ao seu território. Nesse caso, o professor é um imigrante em sua capacidade para abordar a mudança e conseguir conversas interessantes com esses “nativos” e mostrar seu valor. Voltamos ao exemplo de Bond que mencionei antes.
Como os pais devem participar do processo educacional?
Eles devem confiar e colaborar, entendendo que há professores trabalhando pelo melhor resultado de seus filhos, com seu próprio exemplo e atitudes. O comprometimento com a vida diária depende muito do que se pode obter na educação. Os pais devem ser participantes ativos que compartilham e exijem de seus filhos.