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Como trabalhar “A Metamorfose”, de Franz Kafka, em sala de aula
- 02/09/2016
- Category: Notícias

Walleska Bernardino Silva, professora da Escola de Educação Básica (Eseba) da Universidade de Uberlândia (UFU), a 555 quilômetros de Belo Horizonte, conta que, no início, a turma não digeriu bem a leitura indicada por ela. Pudera. O livro em questão, sobre a vida de um trabalhador que um dia acorda e se vê transformado em um animal, não é mesmo muito agradável. O mal-estar era tanto que, certo dia, um aluno entrou na sala exclamando em alto e bom som o título desta reportagem. Mas logo a atividade se transformou em um desafio interessante para a turma, que se viu às voltas com o desenrolar da história de Gregor Samsa.
A sequência didática baseada em A Metamorfose, do alemão Franz Kafka (1883-1924) (104 págs., Ed. Companhia das Letras, tel. 11/ 3707-3500, 23 reais), foi feita em parceria com Giuliana Ribeiro, que também leciona Língua Portuguesa para o 9º ano na Eseba. Foram realizadas discussões e análises, produção de texto e o estudo do realismo fantástico, escola artística e literária que mistura a realidade com o mágico, o impossível.
De acordo com João Luís Ceccantini, especialista em leitura e literatura infantojuvenil e docente da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), é louvável explorar textos como esse com os jovens, que geralmente têm resistência a histórias fantásticas. “Eles acham que é coisa de criança, que livros para gente mais velha têm de ser ligados ao mundo real.” A ideia é interessante também porque se trata de um texto introspectivo, diferente dos de ação, com os quais a moçada se identifica hoje.
Quando indicaram a leitura da novela, as educadoras avisaram que haveria um mês para se dedicar a ela. Walleska explica que não foi preciso acompanhar a leitura. Na Eseba todos leem bastante desde cedo, inclusive originais de clássicos. Caso sua turma ainda não tenha um comportamento leitor bem desenvolvido, não faça disso um empecilho! Promova conversas semanais para comentar a história e tirar dúvidas.
Encerrado o tempo da leitura, as educadoras discutiram com os jovens a escola do realismo fantástico, para fazer ligação com a obra. Apresentaram imagens representativas, como um castelo com um lago à frente e pessoas caminhando sobre ele como se estivessem sobre uma superfície sólida. Ou seja, a combinação do irreal com o real. E citaram Kafka como um dos maiores expoentes com A Metamorfose.
O passo seguinte foi pedir que os alunos comentassem as primeiras impressões deles sobre o livro. Alguns falaram que sentiram angústia e justificaram com trechos da história.
Para dar continuidade às aulas, foi apresentada uma sequência de três vídeos (bit.ly/metamorfose1, bit.ly/metamorfose2 e bit.ly/metamorfose3) com a trama em quadrinhos. “É uma releitura. Os estudantes puderam conhecer uma nova forma de contar a história. Pelo fato de ser outro gênero que se vale de recursos além do verbal, são criados mais sentidos. A trilha sonora, por exemplo, evoca tristeza e angústia”, diz Walleska.
No momento seguinte, os alunos pesquisaram a vida de Kafka e os pontos que ela teria em comum com A Metamorfose. “A relação de Gregor Samsa com o pai tem muito a ver com o que viveu Kafka. Outro ponto interessante é que a rotina de trabalho do protagonista é bem conhecida pelo autor porque ele lidava com seguros e fiscalização de fábricas”, diz Renato Oliveira de Faria, doutor em literatura alemã.
Depois, os estudantes responderam a questões oralmente e por escrito, em duplas. “Não se tratava de conferir dados objetivos. Queríamos aprofundar a compreensão e discutir novos aspectos”, diz Walleska. Estava liberado recorrer ao texto. Ceccantini fala que esse movimento de voltar ao material em busca de informações é valioso. Revisitando a obra, o leitor passa a estabelecer relações, pensar com base em outros pontos de vista, encontrar coisas que tinham passado despercebidas. No rol de indagações estavam questões como: “Comente a fala do filósofo e sociólogo Theodor Adorno (1903-1969) em relação à obra: ‘A origem social do indivíduo (a família) revela-se no final como a força que o aniquila.’”.
Na etapa seguinte, os estudantes tinham de escolher uma dentre várias palavras apresentadas (como dominação, isolamento, aprisionamento e indiferença) e relacioná-la à obra, além de fazer uma conexão com a realidade atual. Eles podiam optar por criar um mapa conceitual ou uma apresentação virtual no site prezi.com. O resultado surpreendeu. A aluna Maria Clara Silveira, 13 anos, escolheu “aprisionamento” e falou, por exemplo, do encarceramento físico e psicológico de Samsa e das formas de cárcere contemporâneo. “Ninguém tem tempo para nada porque trabalha muito. Também acho que somos prisioneiros da internet”, ela diz. Note que mais uma vez foi possibilitado aos alunos fazer uma leitura emocional do livro e revelar o que a obra significa para cada um.
Via: http://acervo.novaescola.org.br/fundamental-2/como-trabalhar-metamorfose-franz-kafka-sala-aula-literatura-786485.shtml