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Ensinar e aprender a ler e a escrever na escola hoje
- 22/06/2015
- Category: Notícias
Como a diversificação e a intensificação da cultura da escrita influenciam o trabalho de professores e diretores
Daniel Goldin, diretor da Biblioteca Vasconcelos, no México. Durante mais de 25 anos, editou livros para crianças. Também dirigiu duas coleções sobre cultura escrita com uma perspectiva multidisciplinar. No ano 2000, escreveu em uma delas a introdução de Ler e Escrever na Escola: o Real, o Possível e o Necessário (128 págs., Ed. Artmed, tel. 0800 703 3444, 49 reais), da pesquisadora argentina Delia Lerner. No Brasil, também publicou Os Dias e os Livros — Divagações sobre a Hospitalidade da Leitura (176 págs., Ed. Pulo do Gato, tel. 11 3214-0228, 29 reais)
Com base no prólogo que acompanha a obra fundamental de Delia Lerner, a equipe de GESTÃO ESCOLAR me pediu que fizesse um artigo sobre o papel dos diretores na formação de leitores na escola. Minha resposta é esta falsa entrevista. Espero que você compreenda que essa manobra literária procura ser, antes de tudo, um convite ao diálogo e um ato de congruência.
Por que você insistiu que não queria escrever um artigo, e sim uma entrevista?
Vivemos em um mundo extraordinariamente complexo, instável e veloz. Se queremos produzir pensamento útil, devemos ensaiar formatos ligeiros, estimulantes e flexíveis para abordar a complexidade, atentos às condições de recepção dos leitores. Com certeza isso é algo que compete tanto a quem atua na edição (editores, autores e jornalistas) como na Educação.
Em Variações sem Fuga, seu texto introdutório ao livro de Delia, você já mostrava certa desconfiança com relação à possibilidade da leitura transformar as práticas pedagógicas. O texto sinalizou que, mais que ler, era necessário “reler, conversar, pensar, discutir, ensaiar, brincar e analisar… e voltar a fazê-lo muitas vezes”.
Nessa frase aponto uma variedade de exercícios mentais e físicos que devemos realizar para vincular a leitura e a experiência, que é, a meu ver, o que nós, que trabalhamos com a formação leitora, devemos aspirar. Se trata de ir da leitura da página à observação do entorno, da solidão à companhia, da palavra escrita à oral, e vice-versa. Um movimento incessante que custa muita energia, mas que, com consciência, tem um efeito revitalizante como o dos esportes: nos oxigenam e nos fazem sentir mais vivos.
E o que devem fazer os diretores das escolas para incentivar essa ginástica entre os professores?
O diretor deve proteger os professores para evitar que eles percam o foco de suas tarefas essenciais e estimular o trabalho coletivo, a observação do real e a reflexão crítica. Sempre com o intuito de colaborar para criar um olhar consciente e questionador tanto do entorno como das próprias concepções e maneiras de ler. Lembro da frase de Delia, “mesmo com as dificuldades e contando com elas”, é assim que podemos mudar a escola. Quando se estimula o professor a observar com atenção e a ensaiar novas estratégias e se abre espaços para conversar e se aprimorar, até mesmo os erros se transformam em fonte de conhecimento.
Tudo isso pode ser resumido em três palavras: confiança, autonomia e atenção. O gestor deve brindar os docentes com elas e propiciar que eles, por sua vez, as concedam aos alunos. Aplicar essas palavras na escola cotidianamente exige um esforço tenaz. Mas somente assim a instituição poderá ser criadora de cidadania.
O livro de Delia foi publicado no ano 2000. Como você descreveria o que se passou na cultura escrita desde então?
É uma situação muito complexa. Ainda não conseguimos sequer formular as perguntas adequadas, em parte porque os termos que utilizamos têm perdido eficácia. A que exatamente nos referimos quando falamos de ler e escrever hoje? Os objetos e as práticas que associamos a esses verbos são extraordinariamente diversos na atualidade. No entanto, muitos são os discursos simplificadores que, com base em alguns dados isolados, resultam em conclusões otimistas ou pessimistas. Para provocar o pensamento, quero me afastar dos tópicos mais conhecidos – o fim do livro de papel e a redução dos leitores – e propor algumas linhas de reflexão. Por exemplo, evidenciar que a crise da leitura que vivemos não se deve à diminuição do interesse pela leitura, e sim ao oposto dela, ou seja, a multiplicação e diversificação dos usos e dos usuários da cultura escrita. Hoje, lemos e escrevemos para praticamente tudo e isso tem transformado a própria definição da cultura escrita. Quando a leitura era privilégio de poucos e estava restrita a poucos formatos, alguns antropólogos a opunham à cultura oral. Segundo eles, a palavra escrita permitia o pensamento racional e objetivo. Por isso a vinculavam com a democracia. Já sabemos que essa vinculação não é obrigatória e somos mais capazes de entender a racionalidade nas culturas ágrafas e o valor de suas estruturas sociais. Também já se coloca em crise o vínculo entre escrita, memória e conservação (e, portanto, entre escrita, pensamento e democracia).
Podemos pensar, então, que estão se apagando as fronteiras entre a oralidade e a escrita?
Essas fronteiras sempre foram porosas, mas nunca tanto como agora. Basta observar o que acontece com os telefones celulares: os jovens praticamente não falam, mandam mensagens. São escritas que estão destinadas a desaparecer, como a maior parte do que publicamos atualmente, tanto no papel quanto nas telas.
http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/ensinar-aprender-ler-escrever-escola-hoje-861920.shtml