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Voto jovem
- 29/09/2014
- Category: Notícias
Cai o número de eleitores adolescentes. Para especialistas, relação com a política vai além das urnas
Por Tory Oliveira
Em 2014, o peso do voto de jovens entre 16 e 17 anos será menor do que há quatro anos. Das últimas eleições presidenciais para cá, a faixa do eleitorado cujo voto não é obrigatório caiu de 2,39 milhões para 1,63 milhão, segundo dados publicados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim de julho. Em 2010, 900 mil jovens de 16 anos e 1,49 milhão de 17 anos registraram seus votos nas urnas em todo o Brasil. Agora são, respectivamente, 480 mil e 1,15 milhão.
Uma mudança na metodologia (neste ano, diferentemente dos anteriores, eleitores que completarem 18 anos até a data da eleição serão incluídos no cadastro eleitoral) e o envelhecimento da população brasileira são consenso para ajudar explicar a queda de participação juvenil nesta que é a maior manifestação da democracia.
A dificuldade em acessar os canais tradicionais de participação e a preferência por outras formas de luta ajudam a explicar a redução de 32% nesse grupo de eleitores. As razões para tais comportamentos, porém, são motivo de divergência entre os especialistas.
Na avaliação de Anna Luiza Salles Souto, pesquisadora do Instituto Polis, os números não denotam um descaso dos jovens com a política ou com os rumos do País, mas sim que a juventude possui uma relação multidimensional com a política, ou seja, participa dela de diferentes maneiras. “Os jovens estão apontando para a democracia representativa como importante, mas insuficiente para garantir e fazer ampliar os direitos”, analisa Anna Luisa.
A juventude, essa camada heterogênea da população entre 15 e 24 anos, foi a principal força motriz por trás das chamadas “jornadas de junho”, passeatas motivadas inicialmente pelo aumento da passagem de transporte público em São Paulo e que se espalharam pelo Brasil com múltiplas bandeiras por educação de qualidade, melhores condições na saúde, mais moradias e combate à corrupção. Os movimentos expuseram uma nova forma de participação para além das urnas.
Parte dessa percepção foi antecipada pela Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião da Juventude Brasileira 2013, feita pela Unesco em parceria com a Secretaria Nacional de Juventude poucos meses antes de os movimentos explodirem. Quando perguntados sobre as formas de atuação política mais eficazes para mudar o País, 45% dos 3,3 mil jovens entrevistados assinalaram a participação em manifestações de rua, 44% citaram o engajamento em associações ou coletivos organizados, 35% mencionam a atuação em conselhos ou audiências públicas, 34% citam o posicionamento e a cobrança de políticos pela internet e 30% a atuação em partidos políticos.
Em pesquisa da Fundação Perseu Abramo, 18% dos brasileiros de todas as idades mencionaram participação em partidos como forma de atuar politicamente, ante os 30% de jovens entre 15 e 29 anos. “Há uma distância entre reconhecem o valor da instituição e aderir a ela. Você tem 30% que reconhecem a importância do partido e 88% que rechaçam participar de partidos. Esse descompasso é a questão. Até que ponto não há uma crítica não só da juventude, mas de toda a sociedade, de que é necessário investir na reforma do sistema político brasileiro?”, diz Anna Luisa, integrante da equipe que elaborou a pesquisa.
A redução da participação de adolescentes no processo eleitoral brasileiro não é um fato novo. O número de inscritos, em relação ao número possível de adolescentes nessa faixa etária está declinando desde 1998. Para Rodrigo Stumpf González, professor do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a queda é resultado da redução do número de jovens nessa faixa etária na população brasileira e da falta de interesse dos jovens em se inscrever como eleitores.
O voto não obrigatório do adolescente foi aprovado na Constituição de 1988 e, em 1989 e 1994, houve grande mobilização dessa faixa etária em se inscrever e participar das eleições. “A maioria dos jovens naquele momento queria votar. A partir de 1998, a noção de que o voto ia mudar a sociedade começou a ser perdida e passou a acontecer uma desmobilização que, verdade seja dita, não é só dos jovens”, afirma González.
Uma das explicações pode ser encontrada no descompasso entre a velocidade da vida moderna e a lentidão do processo político tradicional. Para a socióloga Maria Teresa Kerbauy, da Unesp, o número menor de eleitores jovens com idade para cursar o Ensino Médio pode ser reflexo do desencantamento com a política tradicional. “As organizações formais de representação não estão mais dando conta das demandas da população e, em especial, dos jovens.”
A ideia do jovem politicamente apático, para Silvio Benevides, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), é uma falácia. Na análise do sociólogo, as recentes manifestações podem ser também um reflexo do avanço do acesso da juventude à escolarização. “Muitos dos meus alunos na universidade são os primeiros da família a chegar ao Ensino Superior. É uma geração mais crítica e até mais radical, em alguns aspectos. Nós vemos muitos jovens participando do movimento negro e feministas”, exemplifica.
Tradicionalmente, o maior engajamento político é encontrado entre os jovens mais ricos e escolarizados. São os setores de baixa renda, porém, que mais manifestam a vontade de se inserir no debate, segundo a citada Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião da Juventude Brasileira. “O maior desafio é fazer com que os jovens de baixa renda tenham espaço na discussão política. Eles têm mais dificuldade para acessar canais. Temos de trazê-los para o espaço público, para que tenham voz e possam renovar a agenda dos políticos”, defende Anna Luiza.
Para a candidata a deputada federal pelo PCB em São Paulo Lígia Fernandes, de 21 anos, há uma inquietação da juventude em querer se politizar, mas a participação efetiva é pequena. “O caminho é a juventude se engajar nas lutas de base e estar ao lado dos professores e dos trabalhadores de modo geral. Participar e militar, ainda que de forma independente, é importante”, defende.
A participação política cresce à medida que é exercitada, e o papel da escola, para além do resgate teórico da democracia, é fomentar e abrir espaços para a participação da juventude. Segundo González, a escola tem dois papéis fundamentais: o informativo e o de formação ética. O primeiro é fornecer aos adolescentes o conhecimento de quais são as tradições da política brasileira, como é o seu passado e como as coisas funcionam. Por outro lado é preciso fomentar a formação ética do aluno. “Quando, na sala de aula, os jovens sentam e discutem como determinada ação deve ser feita, eles estão fazendo política. Precisamos incorporar a ideia da participação política desde a infância, e não apenas associá-la ao voto a cada quatro anos. Cidadão não é somente quem vota, mas quem participa.”
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