Blog
A educação lúdica desenvolve as múltiplas capacidades
- 24/10/2014
- Category: Notícias
Por Ivani Cardoso
Infelizmente, o Brasil, nos últimos anos, não obteve os resultados esperados na alfabetização e está muito abaixo da média de outros países e quase 80 pontos abaixo de Portugal, que tem a mesma língua e a mesma estrutura linguística Afinal, quais são as capacidades necessárias para uma eficiente aprendizagem da leitura e da escrita? A partir de pesquisas, o educador e pesquisador contemporâneo Paulo Nunes lançou, pela Edições Loyola, a obra Alfabetização pelas múltiplas capacidades. A preocupação do escritor foi reunir teoria e prática em uma nova concepção de ensino-aprendizagem da alfabetização, aproveitando o que há de mais significativo nas teorias modernas e de mais eficiente nas práticas tradicionais. Paulo Nunes de Almeida é diretor-geral da Faculdade de Conchas, fundador e coordenador do Colégio Lúdico de Conchas, mestre em Língua Portuguesa e especialista em Educação. Para ele, alfabetização eficiente é aquela que permite aos alunos decifrar o código escrito da Língua, estabelecer conexões mentais entre os elementos desse código, levando-os a ler compreensivamente textos de diferentes gêneros do nível linguístico em que se situa, bem como fazer uso desse código para escrever textos, de forma clara, de diferentes gêneros de modo que os seus interlocutores também compreendam o que foi escrito. Ele acha fundamental incluir o lúdico no processo de alfabetização e incentiva, por exemplo, a gamificação: “É uma ferramenta fundamental e necessária para o aprendizado da leitura e da escrita. Os jogos digitais envolvem os alunos na trama do jogo e na superação de desafios. Além disso, contribuem para a estimulação das múltiplas capacidades.
Como estão os resultados internacionais do Brasil?
Infelizmente, o Brasil, nos últimos anos, não obteve os resultados esperados na alfabetização. Nas últimas décadas tem apresentado falhas nas políticas educacionais e vem utilizando propostas pedagógicas que não corresponderam aos conhecimentos científicos investigados nessa área. Dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) mostra que não houve variação significativa entre a primeira versão, de 2000, e a última, de 2012. O Brasil está muito abaixo da média de outros países e quase 80 pontos abaixo de Portugal, que tem a mesma língua e a mesma estrutura linguística. De 1.000 adolescentes brasileiros, só um lê de maneira competente e está nos padrões do PISA.
Os resultados mostram que o nível de leitura de alunos de 8 anos é baixo em 22 estados. Como melhorar essa situação?
De acordo com o PNAD (Plano Nacional Desenvolvimento), e com o UNICEF, a criança deveria completar o ciclo da alfabetização até os 8 anos de idade (Terceiro Ano ou Segunda Série do Ensino Fundamental). No entanto, 8,3% das crianças, na idade entre 7 a 14 anos, não sabem ler nem escrever. Esse índice de analfabetismo é bem superior ao de crianças na mesma faixa etária que estão fora da escola, que é de 2,4%. A conclusão é que muitas crianças que estão na sala de aula não conseguem aprender a leitura e a escrita desejada. É bom lembrar que a alfabetização até 8 anos faz parte das Diretrizes do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação do MEC), cuja meta é garantir educação de qualidade para todas as crianças até 2022. Essa ação caminha com resultados insatisfatórios, isto é, abaixo das metas previstas.
O que é preciso fazer?
Para superar essa situação é preciso revisar e alterar o sistema de organização curricular das escolas, possibilitando às escolas do Ensino Fundamental a organização de turmas sem seriação e sem tempo determinado para uma alfabetização eficiente. Também é preciso revisar e reorganizar as políticas públicas voltadas à Educação Infantil, possibilitando mais acesso de crianças às escolas infantis e melhoria dessas instituições nos currículos, na interatividade com os conhecimentos básicos da leitura e de escrita, maior tempo de permanência da criança na escola, um programa qualitativo com base nas estimulações das múltiplas capacidades e um currículo adequado. Por último, é necessário revisar e alterar o processo de formação do professor, quanto à sua formação acadêmica universitária e à formação continuada.
A má formação dos docentes tem um peso grande nessa questão?
Nenhuma mudança ocorrerá em qualquer situação apontada se não passar pela mudança de postura da atuação do professor. Isso implica um controle em sua formação acadêmica (curso superior adequado e com resultados). Atualmente, futuros professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (anos iniciais), por questões de facilidade, estão abandonando e deixando de optar por cursos superiores presenciais, para frequentar cursos a distância pouco exigentes, os quais estão mais preocupados com comércio do que com a verdadeira formação dos docentes. Esse comportamento certamente agravará ainda mais a deficiência didática de nossos alfabetizadores nos próximos anos.
Qual seria a solução?
É preciso criar propostas seguras e confiáveis de ações pedagógicas. Atualmente há dúvidas e incertezas quanto aos conteúdos teóricos e metodológicos apresentados em nosso país nos últimos anos. Essa incerteza quanto às concepções teóricas e metodológicas propostas pelo governo leva os docentes à indecisão e à insegurança de seu trabalho. É preciso conscientizá-los a ter uma bagagem teórica sólida, a um encorajamento de decisões acertadas e seguras no seu trabalho pedagógico. Em síntese “quem sabe o que quer, escolhe o caminho e o jeito certo de caminhar.”
Com tantas inovações, a questão da alfabetização não deveria estar melhor resolvida no Brasil?
Há uma riqueza enorme de métodos, de técnicas e de recursos materiais que podem ser usados como recursos ou ferramentas facilitadores da aprendizagem da leitura e da escrita. No entanto, por diversas razões, que vão desde o desinteresse da escola e dos professores por essas ferramentas (exigem mudanças e dá mais trabalho para aplicá-los), ou desconhecimento e incompetência, muitos professores não fazem uso desses instrumentos e acabam sempre optando por procedimentos conhecidos que pouco alteram os resultados. Poucos são os professores que se utilizam de procedimentos inovadores, como as ferramentas tecnológicas, ludicidade por meio da diversidade de técnicas, de jogos, de brincadeiras, de trabalhos socializadores e de materiais de linguagem existente no meio. Há, sem dúvida, bons exemplos de experiências isoladas dignas de serem aproveitadas, tanto em sala de aula, escolas, prefeituras, estados, União, mas, por serem atividades isoladas, não conseguem atingir resultados mais amplos.
Quais são as principais questões que envolvem a alfabetização eficiente?
Como dissemos, alfabetização eficiente é aquela que permite aos alunos decifrar o código escrito da Língua, estabelecer conexões mentais entre os elementos desse código, levando-os a ler compreensivamente textos de diferentes gêneros do nível linguístico em que se situa; bem como fazer uso desse código para escrever textos, de foma clara, de diferentes gêneros de modo que os seus interlocutores também compreendam o que foi escrito. Para chegar a esse ponto, a questão não parece ser tão simples assim. Por exemplo, podemos perguntar: que ações físicas motoras do corpo, dos olhos ou das mãos estão envolvidas no ato de ler e escrever? Que ações perceptivas e mentais são necessárias para esse aprendizado? Que relações existem entre as atividades linguísticas orais e as escritas no processo de aprendizagem? Por que as crianças aprendem a falar em casa com os pais e não conseguem aprender a ler e a escrever em casa? Por que precisam da escola? Que contribuições a educação intuicionista (tradicional) ofereceu à alfabetização das crianças por muitos anos e por que não foram aproveitadas? Que contribuição as ciências modernas como a Psicologia Cognitivista, a Linguística, a Sociolinguística oferecem para esse aprendizado? E muitas outras… Se colocarmos um adulto diante de uma questão de alfabetização, poderemos perguntar: “quanto tempo demandaria para ele aprender a ler e a escrever compreensivamente numa língua estrangeira ou aprender a ler música e tocar um instrumento musical? E a criança? O que se passa em sua mente no ato de ler e escrever.
E onde estão as respostas?
Para responder muitas dessas questões, contamos com estudos avançados de diversas áreas de investigação como a Psicologia Cognitiva, a Linguística, a Psicolinguística, a Neurociência, a Sociolinguística, a Ciência da Informação, etc. A Psicologia Cognitiva estuda as relações da mente com outras relações, como as do sistema motor (corpo: olhos, cérebro, músculos), com as emoções, com afetividade e com a interatividade social, entre outras. Esta ciência mostra, por exemplo, relação ente a percepção, a atenção, a memória, a imaginação, o pensamento, e define as relações entre a cognição e a motivação, as emoções e os afetos. O professor português José Morais, da Universidade de Bruxelas, doutor em desenvolvimento da cognição e psicolinguística, em entrevista publicada no site abaixo aponta, dentre muitas outras descobertas, que a leitura de textos não é uma elaboração contínua de hipóteses sobre as palavras do texto, mas sim um processo automático, não intencional e muito complexo, de processamento das letras e das unidades da estrutura fono-ortográfica de cada palavra, que conduz ao seu reconhecimento ou à sua identificação, que a leitura visual não se faz nos olhos, mas no cérebro, que não há leitura sem uma atividade cerebral que mobilize as regiões da chamada Área da Forma Visual das Palavras. Afirma que nos alfabetizados existem ações diferenciadas do cérebro, pois essas ações são ativadas fortemente, e o seu grau de ativação aumenta à medida que a criança aprende a ler. O mesmo ocorre com o leitor competente, cuja leitura de um texto baseia-se no reconhecimento ou na identificação das palavras escritas sucessivamente. Estes são apenas alguns exemplos de questionamentos para mostrar a complexidade de questões que envolvem uma alfabetização eficiente.
www.oglobo.globo.com/sociedade/alfabetizacao-no-brasil-nao-alfabetiza.
Quais são as múltiplas capacidades citadas em sua obra?
Em nosso trabalho podemos citar quatro categorias de capacidades: as motoras e psicomotoras, que envolvem os órgãos do corpo e as ações da mente sobre eles, as sensoriais e perceptivas, que envolvem as apreensões dos sentidos, as cognitivas e as linguísticas, que envolvem as ações mentais e as afetivas, e sociais, que envolvem atenção, concentração, estado emocional, motivação e interatividade. As múltiplas capacidades são postas em movimento e entram em ação concomitantemente, ou seja, elas se encontram correlacionadas e contribuem uma para o sucesso da outra, indistintamente. Como exemplo, podemos dizer que leitura visual depende das condições normais do funcionamento físico motor dos olhos, também da velocidade para compreender os sinais, mas que isso tudo não é suficiente por que a leitura acontece no cérebro e não nos olhos. Na alfabetização há sempre um conjunto de ações motoras, psicomotoras, perceptivas, cognitivas, linguísticas, afetivas sociais envolvidas. Há sempre um compasso entre as ações da mão, dos dedos, dos olhos, do cérebro, da mente, da afetividade, do contexto social, para a execução e a compreensão do registro escrito tanto para ler quanto para escrever.
Quais as principais atividades para a aprendizagem?
Podemos enumerar vários tipos de atividades. A educação lúdica tem por objetivo estimular e desenvolver as múltiplas capacidades, promover a interiorização e a construção dos conhecimentos de forma prazerosa, desafiadora e motivadora. Enfatiza, em sua essência, o gosto pela escola, pelos elementos que auxiliam seu aprendizado e pela busca prazerosa de informações do seu aprendizado. Suas atividades são diversificadas e englobam brincadeiras, brinquedos educativos, músicas, jogos, técnicas de ensino, teatralização, montagem, trabalho em grupo e a gamificação (instrumentos tecnológicos como informática, jogos eletrônicos como ferramentas de ensino). Espaços cativantes, como sala decorada com recursos do letramento, pátios, bibliotecas fixas e móveis, ludotecas, materiais decorativos como cartazes, embalagens, jornais, livros etc. Aulas vivas, alegres, dinâmicas, surpreendentes, com professores motivados, entusiasmados e irreverentes.
O sr. acredita que a adoção de um currículo nacional resolveria a questão da alfabetização?
Não se trata da adoção de um currículo nacional para resolver a questão da alfabetização. Trata-se de ações políticas efetivas, como: ampliação da demanda de escolas de educação infantil para abarcar maior número de crianças, qualificação das escolas infantis e de Ensino Fundamental para que promovam programas de estimulação das múltiplas capacidades; melhoria da formação do professor; a possibilidade de as escolas de Ensino Fundamental organizarem classes não seriadas e sem tempo previsto para que os alunos com dificuldades possam completar o ciclo da alfabetização com eficiência.
Como entra na questão da alfabetização o incentivo à leitura?
É fundamental que a criança, desde a mais tenra idade, ouça frases, comentários, histórias, cantigas, brincadeiras de linguagem oral apresentados por professores e familiares. Da mesma forma, é importante que visualize imagens de fotos, desenhos, textos de livros de histórias, letreiros de embalagens e jornais, pois essas estimulações levarão a criança, em fase posterior, a ter maior afinidade com a leitura escrita. Por conseguinte, as crianças, na fase da alfabetização, apresentam gradativamente um maior grau de ativação do interesse por leitura, pois colocam em prática o conhecimento aprendido. É preciso, junto aos pais, irmãos ou colegas, manter sempre vivo o interesse pela leitura. Pequenos contos, letras de músicas, trovas, advinhas, trava-línguas, piadinhas, receitas, pequenas histórias, textos teatrais são agradáveis e motivadores.
Ao leitor competente, o incentivo à leitura deve ocorrer com base no reconhecimento ou na identificação das palavras escritas sucessivamente e na significação que elas apresentam num texto e no contexto. Por isso, o trabalho de ativação da leitura é fundamental e pode ser feito, além dos gêneros já citados, em situações como hora da leitura, cantinho da leitura, leitura circulante, reconto de histórias, leitura digitalizada na biblioteca.
Qual o papel dos pais no sucesso da alfabetização?
É fácil perceber em nossa realidade que os pais de maior renda envolvem-se muito mais com os filhos no processo de estimulação e ativação das múltiplas capacidades. De um modo geral, mantêm os filhos em escolas particulares, promovem o contato com a leitura visual, por meio de brinquedos, livros, jornais, passeios, visitas a lojas, etc. Todas essas ações criam possibilidades de a criança aprimorar capacidades que as levam a ler e a escrever por volta dos 5, 6, 7 anos. Por outro lado, de um modo geral, o mesmo não acontece com as crianças oriundas de famílias de classes populares que não têm esse tipo de privilégio. Os pais, em função das atividades que exercem, mantêm pouco contato com os filhos, criam pouca situações de comunicação escrita para os filhos interagirem. Por essas razões seus filhos demoram um pouco mais para se alfabetizarem. Neste caso, como já falamos, há necessidade de políticas públicas voltadas a suprir esse tipo de deficiência.
Quais os países que lideram essa questão e como chegaram a resultados eficientes?
Os países com maior destaque em termos de leitura e escrita significativa são aqueles que apresentam políticas voltadas para esse fim. Para nossa reflexão, tomemos como referência alguns países emergentes da África, que obtiveram bom desempenho de leitura e escrita. Zimbábue lidera o ranking continental em melhores níveis de alfabetização, apesar dos problemas econômicos nos últimos anos. Este país apresenta uma taxa de alfabetização de 90,7%, seguido pela Guiné Equatorial, com 87% e África do Sul, com 86%. Segundo a revista “The Economist” a alfabetização com qualidade ocorreu devido à educação pública e a capacidade do indivíduo para ler e escrever a partir de 15 anos de idade. Outras nações africanas no top 10 são Quênia, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Lesoto, Ilhas Maurícias. Isso nos leva a crer que o Brasil, ocupando posição de destaque na economia mundial, pode superar essa deficiência se tiver políticas claras, centradas e bem definidas para esse fim.
www.lainfo.es/pt/2014/06/13/zimbabwe-lidera-ranking-continental-na-alfabetizacao/
A Gamificação é eficiente na alfabetização?
A gamificação é uma ferramenta fundamental e necessária para o aprendizado da leitura e da escrita. Os jogos digitais envolvem os alunos na trama e na superação de desafios. Além disso, contribuem para a estimulação das múltiplas capacidades já citadas, sejam as cognitivas, as linguísticas, as afetivo-sociais e as capacidades psicomotoras.
Em nosso livro “Alfabetização pelas múltiplas capacidades” fazemos referências a inúmeros autores que postularam informações sobre o tema em questão. Muitos dos autores citados mostram que os jogos computadorizados são elaborados para divertir os alunos e com isso prender sua atenção. Também auxilia no aprendizado de conceitos, conteúdos e desenvolvem habilidades embutidas nos jogos, os quais estimulam a autoaprendizagem, a descoberta, a curiosidade e a fantasia.
Há outros benefícios?
As atividades e os jogos digitais podem ainda apresentar alguns benefícios indiretos, como o desenvolvimento da memória visual, auditiva, cinestésica; da coordenação motora ampla e fina; proporcionar orientação temporal e espacial, em duas e três dimensões; percepção auditiva e visual de tamanho, cor, detalhes, forma, posição, lateralidade; desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, bem como da expressão linguística oral e escrita, trabalhando planejamento e organização. Os aprendizes, de um modo geral, investem no prazer lúdico, no desafio do momento, na alegria, às vezes, também, nos esforços sofridos a fim de vencer os obstáculos. O fato é que, para eles, não se joga objetivando adquirir conhecimentos de uma disciplina escolar, mas para se divertir. Desta forma, por que não aproveitar a motivação dos alunos pelos jogos, em especial, os computadorizados, para inseri-los em um contexto de ensino e aprendizagem?
E como entra o professor nesse processo?
Na utilização desses jogos digitais, o professor tem uma função primordial. Isso não significa que precisa ser um programador, um técnico em informática, mas, sim, um conhecedor básico dos recursos digitais e, acima de tudo, um catalizador de bons programas e conteúdos para saber interagir com os alunos.
É fundamental que os professores de alfabetização incluam em seu plano de ensino esse tipo de procedimento. Primeiro, pelo fato de que a maioria das escolas brasileiras conta com computadores e programas (distribuídos pelos órgãos oficiais), segundo, porque é necessário fazer o uso adequado desses materiais que, em muitos casos, estão abandonados, pois não se pode excluir de suas práticas pedagógicas essas ferramentas digitais tão necessárias e indispensáveis ao domínio da leitura e da escrita.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.