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As novas tecnologias estão sempre a favor do ensino
- 11/05/2015
- Category: Notícias
A leitura e a escrita são atos políticos, porque transformadores. A frase é da educadora Victoria Wilson, organizadora da obra “Leitura, escrita e ensino – Discutindo a formação de leitores ” (Summus Editorial) e ela afirma que, apesar dos avanços, tornam-se cada vez mais agudas as dificuldades para fazer com que os brasileiros atinjam patamares superiores de alfabetismo. “Este parece um dos grandes desafios brasileiros para a próxima década. Muitos professores, sobretudo os mais jovens, estão atentos e acompanham a(s) tecnologia(s), o que não quer dizer que isso vá alterar a metodologia de ensino. A metodologia de ensino essa sim é estruturante e vai fornecer as bases para que o ensino seja produtivo, dinâmico, criativo”, garante Victoria. Para ela, o acesso ao livro é fundamental para garantir a incorporação de práticas de leitura ao cotidiano. Victoria credita aos professores um papel fundamental na formação: “O professor assume um lugar privilegiado de escuta, escuta sensível, amorosa, empática, sobretudo: qualquer criança ou jovem, quando bem orientados por seus professores, vão longe!” Quando fala na participação dos professores na formação de leitores, ela recomenda que o professor leve sempre um livro – qualquer que seja –para a sala de aula. Um compêndio, uma gramática, um livro de poesias, um romance. “Por que não começar a aula simplesmente lendo uma poesia – e mais nada”, questiona. Quando analisa a leitura em tablets e outros suportes, Victoria diz que é preciso entender que estamos “condenados” a ler, mas o ato e a atividade de leitura podem mudar. “Mas não precisamos temer e sim procurar entender sem pré-conceitos… Difícil, mas possível”, complementa.
Qual é a proposta do livro Leitura, escrita e ensino?
O livro é destinado a profissionais da área de Letras, Pedagogia e áreas afins, a profissionais e estudantes das mesmas áreas e/ou àqueles que, porventura, possam ter interesse no assunto (leitura, escrita, ensino-escola e outros espaços), inclusive pais, mães e responsáveis.
Na questão da leitura, da escrita e do ensino, como entram as novas tecnologias na sala de aula?
As novas tecnologias estão sempre a favor do ensino desde que usadas adequadamente, como instrumento, ferramenta e jamais como substituição do profissional. São acessórios, bastante interessantes e produtivos, e quando bem utilizados podem ajudar, auxiliar o trabalho do professor e assim devem ser considerados. A entrada da tecnologia em sala de aula vai depender de vários fatores: as condições socioeconômicas do país, do estado, do município (tratando-se das instituições públicas); do não desvio de verbas para a aquisição de material adequado e de boa qualidade; da boa vontade e disposição política; da disposição emocional, intelectual, acadêmica aliada à necessidade do professor em trabalhar/usar/explorar a tecnologia em sala de aula.
Qual a relação entre o ato de aprender a ler e o contexto social do aluno?
Total. Evidentemente que as condições socioeconômicas interferem diretamente no quesito acessibilidade aos bens materiais, simbólicos, culturais, passando também pela locomoção (transporte) e toda sorte de dificuldades (políticas, sociais, geográficas – o Brasil é um país continental), ainda que muitos alunos da rede pública e de baixa renda já tenham computadores em suas casas e portem celulares. Porém, vale ainda a máxima: a boa vontade do professor, seu desejo, seu empenho, seu trabalho incansável (como vemos em muitos projetos realizados no Brasil em escolas de difícil acesso ou não, em universidades como a Faculdade de Formação de Professores da UERJ – São Gonçalo); não como missionário, mas como educador, como aquele que entende que educar é uma ação/atividade de dentro para fora e não de fora para dentro.
Como você define a ação de educar?
Essa compreensão faz toda a diferença. Já dizia o professor Eduardo Portela: educar vem do latim ex-ducare. O que vemos muitas vezes é o contrário: a ação de educar como algo de fora para dentro. Nesse sentido, o contexto de origem do aluno ao invés de ser um problema ou de ser considerado como algo negativo, como déficit, passa a ser encarado como riqueza, desafio, promessa. É aqui que o professor assume um lugar privilegiado de escuta, escuta sensível, amorosa, empática, sobretudo: qualquer criança ou jovem, quando bem orientados por seus professores, vão longe!!!!!!!!!!!!!!!
A renda familiar influi no aprendizado?
A propósito, vejamos os indicadores do Inaf (Indicador de Alfabetismo Nacional)/2011 quanto à relação entre o ato de aprender a ler e o contexto, tendo em vista aqui a renda familiar: ao observar o comportamento do nível de alfabetismo segundo a renda, verifica-se que há uma correlação entre a renda familiar e o nível de alfabetismo (grifo meu). Com efeito, a proporção de analfabetos e daqueles incluídos no nível rudimentar diminui sensivelmente à medida que aumenta a renda familiar. Apenas entre as pessoas que têm renda familiar maior que 5 salários mínimos o nível pleno é predominante, (52%), seguido pelo nível básico (41%), o que caracteriza quase a totalidade deste grupo (93%) como funcionalmente alfabetizada. Daquelas pessoas cuja renda familiar oscila entre 2 e 5 salários mínimos, só 33% atingem o nível pleno, ficando a metade no nível básico, 14% no rudimentar e um percentual muito pequeno (3%) na condição de analfabeto. Já entre as pessoas que possuem renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos, praticamente a metade fica no nível básico, 30% se limita ao nível rudimentar e 6% pode ser considerado analfabeto. Somente 15% das pessoas deste grupo chegam no nível pleno. Por fim, entre aquelas pessoas que possuem até 1 salário mínimo de renda familiar, quase a metade é de analfabetos funcionais (17% os analfabetos e 31% no nível rudimentar). Já entre as pessoas funcionalmente alfabetizadas, há um claro predomínio de pessoas no nível básico (45%) em relação ao nível pleno (8%).
Qual é a sua conclusão sobre essa pesquisa?
Apesar dos avanços, tornam-se cada vez mais agudas as dificuldades para fazer com que os brasileiros atinjam patamares superiores de alfabetismo. Este parece um dos grandes desafios brasileiros para a próxima década. Os dados do Inaf reforçam a necessidade de investimento na qualidade, uma vez que o maior acesso, ainda que tenha contribuído para a redução do analfabetismo funcional, não foi suficiente para que o nível de alfabetismo da população evoluísse mais rapidamente para o nível pleno, que permaneceu estagnado ao longo de uma década nos diferentes grupos demográficos. Cabe afirmar que a qualidade não se refere apenas à quantidade de horas de estudo ou à ampliação da quantidade de conteúdos ensinados, mas a um conjunto bem mais amplo de fatores como a adequação das escolas e currículos, a políticas intersetoriais que favoreçam a permanência dos educandos nas escolas, a criação de novos modelos flexíveis que permitam a qualquer brasileiro ampliar seus estudos quando desejar, em diferentes momentos de sua vida. Esses dados corroboram o fato de que há sim uma relação direta entre leitura/escola e contexto social
Qual é o papel das bibliotecas escolares na questão da alfabetização? Escolas que não possuem bibliotecas como podem amenizar a falta?
O papel das bibliotecas é fundamental desde que bem equipadas e adequadamente preparadas (com acervo de qualidade, com tecnologia também, com bibliotecária que estimule a leitura; a biblioteca como espaço de integração, socialização, prazer de ler). A biblioteca não como espaço sem vida, antes, um espaço interativo, também empático. Em escolas que faltam livros, é só pesquisar para ver o quanto se faz no Brasil: livros emprestados, folhas de jornal, revistas, cópias de textos, quadro de giz, tudo o que for possível ter à mão para que se possam fazer rodas de leitura ou qualquer atividade que envolva a leitura e a escrita, estimulando o prazer de ler acima de tudo. Ou seja, sempre podemos amenizar a falta, desde que tenhamos compromisso com o educar. Isso não significa que não tenhamos que lutar pelo direito básico a uma educação de qualidade: escolas com bibliotecas, ginásios, fácil acesso, confortáveis, alegres, claras, limpas, organizadas e vivas. E com profissionais bem remunerados, mais felizes.
Como passar o amor pela leitura na sala de aula?
Primeiro o professor tem que amar o livro, amar ler. Não adianta só dizer que ler é importante, etc, etc. Todos nós que somos da área sabemos disso. Mas, antes de tudo, o prazer de ler é fundamental. Esse prazer, a meu ver, só se adquire quando cheiramos o livro – o papel tem um odor especial -, quando o tocamos, o acariciamos, folheamos, para já imaginarmos, nesse toque, nesse contato, o que nos espera no momento em que começarmos a “ver” a capa, a contracapa, quando lermos as primeiras linhas, para adivinharmos o mundo que se descortinará, com quais personagens nos envolveremos, se sentiremos amor, raiva, tristeza, decepção, alegria… que cultura, culinária, vestimenta, arquitetura, geografia e história vou conhecer. E isso se faz com os alunos, levando os livros para a aula, deitando-se com os livros, abrindo-se as páginas a esmo – é uma atividade sensual primeiramente, mágica, lúdica… e depois, bem depois, …racional (se é que podemos separar a emoção da razão). O livro é tátil, algo que pode ser acariciado pela beleza, pelo mistério, pelas memórias passadas e futuras. Se o professor não gosta de ler… aí pronto: dificilmente ele conseguirá expressar algo que ele não sente por mais que ele aponte as razões sobre a importância do livro e da leitura. O que o livro faz com sua/nossa vida? Em que ele te/nos transforma? O que o livro nos proporciona? Então, o professor tem que levar o livro – qualquer que seja – para a sala de aula. Um compêndio, uma gramática, um livro de poesias, um romance. Por que não começar a aula simplesmente lendo uma poesia – e mais nada? Basta a leitura intensa, de dentro para fora… o resto é com os alunos. Deixe o livro “de bobeira” sobre a mesa, oferecendo-o ao “desavisado”… invente uma história; introduza uma e crie a curiosidade…
Poderia falar sobre a leitura de contos de fadas e sua importância para a formação docente?
Os contos de fadas fazem parte do inconsciente coletivo; exploram a dualidade bem x mal, feio x bonito, rico x pobre, etc não de modo dicotômico, a meu ver, mas integrado na polaridade de suas figuras simbólicas: fada x bruxa; príncipe x sapo/mendigo; princesa x rainha; rainha boa x rainha má; poder, etc etc. Segundo Bruno Bettelhein e Marie Louise von Franz os personagens dos contos de fadas funcionam como arquétipos importantes na formação do indivíduo. Para os autores, cada um a seu modo, quem polariza, quem estabelece a dicotomia é o adulto, daí, termos que entender que a criança percebe tudo de modo integrado e consequentemente ela passa a lidar melhor com seus medos, raivas e frustrações, porque sente, compreende a integração dos contrários. Importante lembrar que os contos de fadas – da tradição (e não as adaptações, NUNCA) – também falam de uma cultura antiga, de base oral. O que ocorreu é que muitos desses contos foram adaptados para atender a então burguesia – lá pelo século XVII – transformando muitas vezes uma dura realidade (por exemplo, A menina dos fósforos ou mesmo a Chapeuzinho Vermelho) – em realidades maquiadas, com fundo moralizante e com uma ideologia de fundo maniqueísta e segregador.
A contação de histórias continua importante na formação de crianças?
Para mim, sim, fundamental sempre. Seja em casa pelos pais seja na escola. Entendo que contar histórias é um meio de estimular a criança à leitura… se não naquele momento, tempo, mas em outro, longínquo até. Mas volto a bater na mesma tecla. A contação de histórias sem afetamento, mas como algo natural que encante, que seja um convite à integração… um momento deveras especial.
Em um mundo onde há tantos chamados tecnológicos, como despertar no aluno o interesse pelo livro impresso?
Acho que há várias formas de ler e isso a leitura digital tem mostrado, ainda que eu, particularmente, prefira o livro impresso e veja magia nesse livro, nesse “material”, para mim, carregado de simbologia, mistério e magia. Sem dúvida, muitos jovens trocaram a forma de ler. O ato de ler continuou o mesmo? Não sabemos, talvez só daqui a alguns anos. As pessoas estão lendo mais? Aparentemente sim, pois a leitura digital – pelo celular inclusive – facilita a vida: em segundos, com um clique, abre-se um leque de possibilidades. E eu posso ler onde estiver, por exemplo. No entanto, que alegria é ver uma livraria perdida num lugar onde nem bancos há? Que alegria é ver estantes tão coloridas repletas de livros. Quem despertará isso em nossos filhos/alunos? Não olhe “pra” baixo; “pro” celular; vire-se, olhe “pra” frente e veja as estantes, pegue o livro, abra-o, sinta-o em suas mãos, veja a palavra impressa no papel – a folha. Folheie… esse verbo vai acabar? Quem folheia? Eu não posso folhear a tela do computador, nem a do celular. Logo, o suporte sendo outro, outros modos de leitura acompanharão esse suporte. Não folheamos, mas clicamos. O que se altera com essa mudança? São as mesmas perguntas que (se) fizeram quando do nascimento da imprensa? Prefiro entender que estamos “condenados” a ler, mas o ato e a atividade de leitura podem mudar. Mas não precisamos temer e sim procurar entender sem pré-conceitos… Difícil, mas possível.
Quais são as principais características de um bom livro infantil? E de um juvenil?
Qualidade literária e estética primeiramente (texto com boa trama, bom enredo, poético, simbólico, com estilo: escrever para crianças e jovens é coisa muito séria; respeito ao leitor infantil e juvenil (criança e jovem quando acostumados a coisa boa, tenderão a evitar “porcarias” de massa, a não ser para fazer uma catarse, mas aí serão conscientes disso); qualidade do papel; ilustrações que também acompanhem a estética – não sejam chapadas ou induzam ao reforço de preconceitos – por que todos os personagens têm que ser brancos, louros, felizes, com carinha higiênica??? – tamanho da letra e tipo da fonte (fundamental de acordo com a idade); espaço entre as linhas (idem); formato do livro (bom para o manuseio de acordo com a idade também); capa atraente. Livros que respeitem e aproximem as diferenças e os diferentes, que ousem falar de qualquer assunto – não pode haver tabu – que sejam originais na medida de seu compromisso com a palavra escrita literária-estética. Sem valor estético-literário o livro, para mim, deixa de existir como livro.
A senhora considera a literatura infantil e juvenil brasileira de qualidade?
Claro que sim! A literatura infantil e juvenil brasileira só cresceu. Desde o boom das décadas de 70 e 80 com a recuperação e releitura de Lobato, autores como Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Lygia Bojunga Nunes (premiadíssima), Eva Furnari, Ziraldo, Sylvia Orthof, Bartolomeu Campos Queirós, Roseana Murray, entre outros e muitos outros da atualidade que não conheço, vêm enriquecendo e engrandecendo nossa literatura. Fora os ilustradores de mão-cheia! A releitura de Lobato, a releitura dos contos tradicionais (numa ótica inovadora), a introdução de temas que eram considerados tabus, a reflexão sobre as diferenças étnicas, ideológicas, sociais; histórias de negros, índios; de crianças e jovens marginalizados socialmente, de meninas, mulheres, ganharam espaço e voz. O fundo moralizante, didático e autoritário perdeu espaço para novas formas de dizer e ver o mundo com liberdade e criatividade, questionamentos e reflexão, sem ser uma literatura “chata”, mas altamente compromissada com a palavra literária numa linguagem clara, poética, libertadora, lúdica. Literatura é arte. Literatura infantil e juvenil é só um rótulo para identificar o público a que se destina.
A Sra. concorda com os critérios de seleção das obras que são escolhidas para as escolas públicas? Os professores também deveriam opinar?
Não conheço. O que via nas escolas era a introdução marcante dos chamados paradidáticos, livros esses que não tinham (ou quase não em sua maioria) compromisso com a literariedade. Não eram obras de arte, consequentemente, estavam longe de poder ser identificados como literatura. Conheci muito a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, que fazia um trabalho impecável de seleção de obras infantis e juvenis, com critérios sérios para levar às escolas com seus boletins, o que havia de melhor na literatura para crianças e jovens. Também com seu programa Ciranda de Livros – que rodou o Brasil inteiro, levando livros para a Amazônia, por exemplo, ou em lugares onde os alunos só tinham (e só têm) acesso ao livro didático!
Quais são as práticas que mais aperfeiçoam a escrita?
Ler sempre. E escrever sempre. Escrever em vários gêneros do discurso, em várias modalidades. Sem preconceito, sem preocupação com o certo e o errado. E aí pensar em metodologias de ensino que possam aperfeiçoar essas práticas, desde que não sejam camisas de força ou receitas pré-fabricadas. Escrever como possibilidade. Escrever é um ato libertador (não confundir com catarse). Daí, entender a leitura e a escrita como atos políticos, porque transformadores. Do mesmo modo o ensino da escrita deve ser de dentro para fora e não de fora para dentro – ainda que primeiramente precisemos copiar o outro, ser o outro, mas depois internalizarmos nossas formas próprias de dizer, ainda que impregnadas dos movimentos dialógicos (Bakhtin).
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