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Ler é um processo contínuo de descobertas
- 15/12/2014
- Category: Notícias
Por Ivani Cardoso
O primeiro romance de Antônio Geraldo Figueiredo Ferreira, de 49 anos, morador de Arceburgo (MG), foi um sucesso inesperado. A obra “As Visitas Que Hoje Estamos” (Iluminuras), inspirada nas conversas do cotidiano, levou dez anos para ficar pronta mas o resultado tornou o autor conhecido no meio literário e o livro já está com a sua segunda edição praticamente vendida. Agora ele resolveu chegar perto do mundo infantil e acaba de lançar “O Amor Pega Feito um Bocejo” (Companhia das Letras), mas já está com três novos projetos engatilhados. Na história, um garoto se vê às voltas com a chegada de uma tia-avó que está perdendo a memória e fazendo coisas muito esquisitas. Para Geraldo, livros são os melhores presentes em qualquer ocasião, mesmo quando apenas acompanham outros presentes. Ele avalia que a leitura deve fazer parte da vida familiar e escolar e acredita muito na força das bibliotecas interativas para a formação do hábito de leitura, embora afirme que essa tarefa é para todos que estão ao lado da criança. E dá um conselho aos professores: “Os professores devem ler, é uma experiência importante e eles têm que ler em voz alta para seus alunos. Ler em voz alta não está enraizado no sistema de ensino no Brasil. O professor deve ler um parágrafo parar, discutir com os alunos porque ele foi escrito daquela maneira, analisar como esse parágrafo está ligado ao restante do enredo, por que o autor escolheu aquela sintaxe e aqueles termos”.
Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil?
Foi engraçado, quando eu estava limpando o computador encontrei uma pasta antiga com um título infantil. Nem lembrava o que era e, quando eu abri, tinha só uma estrofe escrita e então recordei que achei divertido para a possibilidade futura de desenvolver alguma coisa. Dizia “tititi que a tia Cátia discutia dia e noite e dia”. Nossa, pensei, que sonoridade interessante, podia aproveitar para as crianças. Eu estava já cansado da repercussão do livro adulto e me animei a escrever para crianças. É um grande desafio. Nem sei como veio a estrofe, provavelmente escrevi na hora em que veio a ideia e achei que seria matriz para um projeto futuro.
Você costuma escrever lembretes, histórias, personagens que aparecem no cotidiano?
Sim, acho que o processo é meio parecido com o do fotógrafo, um profissional que está sempre com a máquina preparada porque sabe que determinada cena jamais se repetirá e será perdida se não for registrada no momento. O escritor faz um pouco isso lançando mão desse artifício de anotar coisas interessantes. Tenho muitas coisas guardadas, embora desorganizadas, todas manuscritas. Esses escritos estão perdidos no meio de livros e revistas da biblioteca, de vez em quando eu acho.
Qual é o seu projeto atual?
Eu estou escrevendo três livros ao mesmo tempo, eu consigo fazer coisas diferentes ao mesmo tempo. O primeiro é uma história antiga que fui escrevendo paralelamente ao meu primeiro romance. Seria apenas um fragmento, mas achei que tinha fôlego e comecei a escrever outro romance que já está bem adiantado. Como esse meu primeiro livro infantil termina meio em aberto, vi a possibilidade de dar uma continuidade e essa ideia virou um romance infantojuvenil em prosa. Sei que é um desafio escrever em prosa para adolescente, mas começou a sair desse jeito e eu respeitei. Fiz um primeiro capítulo, achei interessante e continuei. Na verdade é a tia Cátia que ficou, o que carinhosamente chamamos, “gagá”, meio perdida no mundo. Pensei que poderia colocar a tia Cátia vivendo algumas aventuras. Lembrei que a demência e a loucura se aproximam da lucidez e podem iluminar aspectos da nossa vida que não imaginávamos enxergar. Os loucos são bons conselheiros. Com a senilidade, a experiência, a caduquice ou a inocência da infância se descortinam determinados aspectos da nossa vida que nós nunca imaginávamos poder ver. É como um hai kai, uma explosão concisa de uma verdade que estava aos olhos de todo mundo e, ao mesmo tempo, escondida. A matriz dessa continuidade, pensando, é Dom Quixote e coloco até alguns elementos para essa pista.
Dom Quixote faz parte de sua história como leitor?
Sim, foi um livro forte, uma história clássica do Ocidente e que trata de questões que ainda estão presentes. Aliás, a proposta do clássico é justamente essa, ele não depende da vontade do artista, mas muitas vezes consegue abordar a realidade da vida de um modo que permanece vivo como questão para os leitores. Enquanto essas observações permanecerem vivas a obra de arte também permanece, independente da vontade do autor.
E o terceiro projeto?
O terceiro projeto está ligado à beleza plástica da linguagem que a literatura não pode perder. Esses dois movimentos ganharam força em um novo romance adulto. Em 45 dias escrevi umas 40 páginas. Era um fragmento que foi ganhando força, se avolumando e eu percebi que poderia ser um outro romance e que eu não poderia fugir dele. Na literatura, tanto a força da história quanto a forma caminham juntas, são forças paralelas que se misturam muitas vezes.
O sucesso surpreendente do seu primeiro romance era esperado por você?
Foi uma surpresa. Não esperava porque eu optei por um caminho que seria uma novidade linguística e, por que não dizer, temática? Não é um livro que facilite as coisas para o leitor, muito pelo contrário, eu crio obstáculos. Eu gosto de literatura com essa característica. O crítico norte-americano Harold Bloom dizia que adorava os textos que não entendia, que os textos mais complexos e difíceis eram um desafio de retorno e que exigiam releituras. Infelizmente, hoje em dia o foco de reler parece ser uma atentado ao bom senso. Mas, como dizia Borges, a literatura é uma necessidade de releitura, é uma força que transcende os limites da individualidade do artista. Aliás, toda grande obra transcende. O autor consegue isso de forma inconsciente, mas não é um devaneio. Apesar de essas grandes questões reverberarem sem o caminho da consciência, claro que essa consciência é importante.
Você tem crianças próximas, mostrou seu livro infantil para elas?
Tenho muitos sobrinhos, gosto muito de crianças. Primeiro mostrei para um sobrinho que gostou bastante e fiquei animado. Esse meu primeiro livro infantil tem esses aspectos divertidos e o interesse varia na questão da idade.
É difícil escrever para crianças?
Sim, é muito difícil. As crianças representam um público muito exigente. Pena que alguns erros foram e continuam sendo cometidos na história da literatura infantil. O primeiro é imaginar que a criança é um adulto em miniatura e ela não é. O erro oposto talvez seja duvidar de sua inteligência e sensibilidade.
Quando começou a desenvolver o hábito da leitura?
Sempre gostei de ler, desde os três, quatro anos, eu folheava as enciclopédias e dicionários do meu pai. Eu pegava e achava muito interessante. A linguagem é uma invenção fantástica e se você consegue mostrar para as crianças os limites dessa invenção ela vai curtir por 3 ou 4 anos eu folheava enciclopédias, meu pai tinha dicionários, Urupês. Eu pegava e achava interessante, a linguagem é uma invenção fantástica e se você consegue mostrar para as crianças os limites dessa invenção vai ajuda-la a curtir a palavra, o enredo, o livro como uma articulação inventada pelo homem sobre aquilo que o rodeia. Esse é o prazer que eu sempre tive pela leitura e quero incentivar.
Quem deve incentivar a leitura?
No meu caso acho que o prazer da leitura foi despertado pelos meus avós que contavam muitas histórias, não tínhamos biblioteca em casa e sim alguns livros. Eu lembro que na época em que eu era garoto a Ediouro lançou uns cadernos/livretos que eram distribuídos na escola. A biblioteca da escola não funcionava então eu preenchia as fichas e pedia para o meu pai encaminhar pedindo os livros. Quando os livros chegavam era uma festa, eu adorava recebê-los.
E os professores, como entram nessa equação?
Muitos jogam para os professores a responsabilidade para desenvolver o hábito da leitura em seus alunos, mas há um engano nisso. Não é uma obrigação somente dos professores. Uma só instituição não consegue formar leitores. É preciso que os professores, a família, a sociedade, o Estado se interessem em incentivar e facilitar a leitura. Veja só o exemplo das novas bibliotecas que não são apenas um amontoado de livros. Essa biblioteca interativa se faz com a sociedade e com as pessoas que vivem ao seu redor. A vida nas bibliotecas interativas é consubstanciada em boa música, bons filmes. Uma boa conversa no café. Muitos pais ficam brabos com os filhos que leem, mas muitas vezes esses pais também não leem.
Como incentivar a leitura na escola?
Nas escolas, já está provado que a influência dos amigos em uma determinada época é maior do que a da família. Portanto, é preciso descobrir maneiras para que aqueles alunos que gostam de ler influenciem seus amigos. Acho que é uma estratégia que foi pouco tentada e acredito que pode ser um caminho.
O que o sr. gosta de ler?
Eu gosto de ler de tudo um pouco, principalmente para me afastar do rótulo de especialista. Claro que o especialista é importante, consegue descobrir na leitura aspectos que ninguém viu. Para o artista, eu sinto que esse aprofundamento pode ser fatal para a criação, pode limitar. O escritor precisa estar atento a tudo. As referências fazem um caminho que pode ser fatal, porque vocês precisam estar atentos a tudo, precisam saber de tudo. Daí a importância do artista em relação ao mundo e à sociedade, à forma como ele coloca essas questões fundamentais para que elas tenham permanência. Todos querem fazer isso, alguns têm coragem e outros não.
Como está o momento atual para a literatura?
Estamos em uma época em que a arte é uma mercadoria para ser vendida e banalizada. A literatura também pode virar uma mercadoria. Temos que diferenciar essa literatura feita para fazer dinheiro, banalizada e superficial, daquela que até pode fazer dinheiro também, mas está muito mais centrada com esse olhar para dentro do indivíduo e para o mundo em que ele vive, colocando questões que vão além da moda e dos modismos.
O sucesso do primeiro livro de certa forma mudou sua vida?
O livro fez muito sucesso e com isso fiquei mais conhecido. É muito bom ter o reconhecimento das pessoas. Hoje em dia eu me sinto mais tranquilo em relação à ideia de escrever e saber que terei alguém interessado em ler, o que facilita muito em um país onde a cultura é tão pouco valorizada.
Como incentivar a literatura infantil?
Literatura infantil precisa de gancho para estar sempre presente no cotidiano O livro deve fazer parte dos presentes em todas as ocasiões, principalmente para as crianças. Os professores devem ler, é uma experiência importante e eles têm que ler em voz alta para seus alunos. Ler em voz alta não está enraizado no sistema de ensino no Brasil. O professor deve ler um parágrafo parar, discutir com os alunos porque ele foi escrito daquela maneira, analisar como esse parágrafo está ligado ao restante do enredo, por que o autor escolheu aquela sintaxe e aqueles termos. Curiosamente, é desse modo que ele vai ensinar ao aluno ter prazer com a própria leitura quando estiver sozinho. A maioria dos nossos alunos não sabe ler. A leitura em voz alta, que parece ser algo da educação antiga, é fundamental para o mundo de hoje tão ligado ao digital. Os alunos, desacostumados a ler, quando o fazem emperram a leitura e o texto fica ruim. Se ele lê dessa maneira nunca vai gostar de ler. A fluência da leitura oral pode ser um caminho importante para que nós tenhamos o leitor em um processo contínuo de formação. E quando falo isso estou me referindo a todos os tipos de textos, não só a livros. Atualmente estou dando aulas de redação para grupos de alunos e tenho feito muitas leituras em voz alta com análises dos textos. Eles gostam muito, é um exercício prazeroso, é um processo de descoberta contínua.
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