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Troca de cartas: uma forma de estimular a escrita em sala de aula
- 03/06/2015
- Category: Notícias
Proposta conquista os alunos ao pôr em cena um leitor real e mostra que a produção escrita na escola pode, sim, ir muito além da dissertação entregue ao professor
Para quem escrevemos? Em sala de aula, muitas vezes apenas para o professor, encarregado de corrigir redações e provas. Na “vida real”, no entanto, a escrita é muito mais do que a capacidade de encadear frases bem construídas – como ferramenta de diálogo e interação, ela expressa parte do que nós somos e cria uma ponte para o universo das outras pessoas. Mas como motivar a escrita no contexto escolar muito mais pela vontade do que pela obrigação? Muitos professores encontram a resposta em atividades que unem o exercício escolar à realidade fora dos muros da escola, como a troca de correspondências.
Não é difícil encontrar experiências que deram certo. Em Bariri (SP), cidade com cerca de 30 mil habitantes, a professora de língua portuguesa Meire Fiuza Canal promove as trocas entre alunos do ensino fundamental de duas escolas estaduais. Ao longo dos últimos dez anos, a professora testou vários formatos e hoje aponta o que funciona melhor: aquele que estimula de fato a curiosidade do aluno e a preocupação com o interlocutor. Por isso, trocar cartas entre estudantes de escolas ou cidades diferentes tende a dar melhores resultados do que, por exemplo, pedir que as correspondências sejam escritas para familiares, pessoas que os alunos já conhecem e que muitas vezes não participam ativamente da troca.
“O que estimula é essa possibilidade de pensar que o leitor existe”, conta a professora. “Até quem não gosta ou diz que não sabe escrever bem acaba participando. É muito bom para ensinar as convenções da escrita, porque o aluno não quer escrever de forma errada para o outro. Ele tem interesse em apresentar o texto para correção do professor e, depois, em saber qual foi a reação do outro estudante à carta dele.” No blog De Carta em Carta, Meire registra o dia-a-dia das atividades, apresenta reflexões e conta a história do projeto – que se tornou tema de livro e levou a professora a receber o Prêmio Professores do Brasil, criado pelo MEC, em 2009.
Redes sociais X papel
Em Minas Gerais, uma outra experiência de troca de cartas começou em 1997, com apenas quatro turmas, e hoje envolve cerca de 1,5 mil alunos de nove escolas de Belo Horizonte e cidades próximas. São, principalmente, estudantes do nono ano do ensino fundamental e do terceiro do ensino médio. A troca de cartas acontece ao longo do ano e tem como ponto alto um encontro em que todos se conhecem e realizam apresentações culturais. O projeto foi batizado de Intercâmbio Cultural BH-Jabó, em referência à capital mineira e a Jaboticatubas, as primeiras cidades envolvidas na troca de correspondências.
Para a professora Ilma Pereira Nunes Moreira, coordenadora do projeto, o principal atrativo está no mistério que a atividade envolve: nas cartas, os alunos usam pseudônimos, não trocam fotos e não revelam o local exato de onde escrevem. A atividade passou a ser desenhada dessa forma após uma experiência em que os alunos descobriram os perfis de seus pares em redes sociais – um ruído que, segundo Ilma, abalou a proposta original da atividade. Outro mérito da troca de cartas, avalia a professora, está em treinar a capacidade de esperar. “O aluno sabe que vai levar um tempo até ter uma resposta. Em meio à comunicação alucinante nos meios digitais, é muito interessante como essa proposta seduz.”
É possível, entretanto, conduzir a atividade mesmo com uma comunicação paralela em redes sociais. “Não acho que atrapalhe”, avalia Meire. “O aluno percebe que se trata de uma outra linguagem, que o virtual é mais um canal que pode e deve ser usado. Ele sabe que pode escrever ”pq” no Whatsapp, por exemplo, mas que na carta deve usar ”porque”.”
Acima de tudo, uma atividade pedagógica
Segundo as professoras Meire e Ilma, o docente não pode perder de vista que a atividade tem, em primeiro lugar, um propósito pedagógico: trabalhar aspectos da língua portuguesa e da construção textual. Por isso, é essencial que as cartas passem por um professor antes de serem enviadas. “Nós combinamos com os alunos que, nesse contexto, a carta é pessoal, mas não é confidencial”, conta Ilma. Meire aponta que a leitura prévia do professor é importante também para evitar situações que possam causar mal-estar, como um aluno escrever xingamentos endereçados ao outro. Para que a dinâmica funcione, é preciso o comprometimento de todos os professores envolvidos.
Segundo a professora Regina Celi Pereira da Silva, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o sucesso desse tipo de atividade depende justamente da forma como ela é estruturada pelo docente. “É preciso sempre tomar cuidado com o artificialismo. O objetivo é tentar aproximar essas práticas ao máximo de trocas autênticas”, diz a professora. Para isso, o contexto em que a atividade será realizada é muito importante – o professor precisa estar atento às diferenças entre turmas, escolas e cidades.
A descoberta de outras realidades | |
Patrícia Pereira Marques, professora de língua portuguesa em Jaboticatubas, participa do Intercâmbio Cultural BH/Jabó e tem experiência com a troca de cartas no nono ano do ensino fundamental e no terceiro ano do ensino médio. “Eu digo para meus alunos que o objetivo é conquistar o outro por meio das palavras. Noto que os estudantes do nono ano tendem a criar mais expectativas quanto ao amigo com quem eles se correspondem, enquanto o aluno do ensino médio é mais ”pé no chão”, embora também crie um vínculo muito forte”, analisa a professora. “Um aluno do terceiro ano me contou que guarda até hoje as cartas do ensino fundamental.” Para a professora e pesquisadora Regina Celi Pereira da Silva, a importância da autenticidade é ainda maior no ensino médio. Uma possibilidade é estimular os alunos trabalhando com temas transversais e ligados à cidadania. Regina cita, como uma boa inspiração, a conversa entre alunos e idosos nos EUA promovida por uma escola de inglês e que ganhou grande visibilidade nas redes sociais. |
Regina, que pesquisa as práticas sociais de escrita, vê com bons olhos as atividades que associam o ato de escrever à sua função interativa. “Apoio práticas que busquem sair do lugar comum. A escrita perpassa tudo e é muito limitador deixá-la só naquele ”pacotinho” da redação tradicional, que o aluno escreve apenas para que o professor corrija. A redação escolar deve ter seu espaço, mas é importante possibilitar a produção de outros gêneros.”
Meire conta que, com a troca de cartas, a melhora na capacidade escrita dos alunos é visível. “Basta comparar a primeira e a última carta que o aluno escreveu no ano”, diz a professora. “Além disso, percebemos um empenho maior. Casos de alunos que, por exemplo, entregam pouquíssimas das demais atividades, mas participam de toda a troca de cartas.” Ilma tem a mesma percepção: “Estudantes considerados apáticos conseguem escrever duas, três páginas. O envolvimento na aula é outro”.
Como estruturar a atividade? | |
Não existe receita para desenhar uma atividade de troca de cartas, mas muitas vezes a experiência de outros professores pode ser útil. Veja, nos tópicos a seguir, como a professora Meire, de Bariri, organiza atualmente a atividade: 1. A professora pergunta aos alunos de uma determinada sala se eles aceitam participar da troca de cartas. Com a resposta positiva, ela convida uma sala de outra escola – pode ser tanto uma turma dela mesma quanto a de outro professor. 2. É preciso, então, listar os nomes dos alunos e definir os pares. O estudante pode escolher se corresponder com mais de um colega. 3. É hora de planejar a escrita. Normalmente, a professora apresenta a estrutura para a redação de uma carta e um roteiro de temas para que os alunos se apresentem na primeira correspondência. Os alunos começam com um rascunho da carta que pretendem enviar e depois chegam a uma redação final, apresentada à professora. Com o tempo e mais trocas, o diálogo entre os pares vai se desenvolvendo, cada um por um caminho. 4. Todas as cartas são reunidas em um pacote, que será entregue à outra sala. “É preciso tomar cuidado para não perder nenhuma carta”, diz Meire. 5. Para organizar a leitura, a professora pede que os alunos leiam as cartas de resposta apenas quando todas estiverem entregues. “Nesse momento há um silêncio absoluto, em que todos estão lendo. Em seguida, é preciso conter a ansiedade – muitos alunos já querem responder -, mas a próxima etapa precisa ser planejada.” |
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